Dançando Entre Lírios mortos,Livro de poesias de Marcos Antônio Filho(Fábrica de livros,15 Reais)
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segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Trinta e três outonos

- Eu te devo um grande amor...
- Você não me deve nada, deixa de besteira...Você fez sua escolha na época, mas nosso tempo já passou...
- Não existe isso quando se trata de um grande amor! Você acha que eu esqueci tudo o que gente passou?As cartas, o namoro proibido, tudo foi mágico pra mim, assim como foi pra você...Eu não escolhi isso que aconteceu pra gente.
- Claro que foi mágico, até hoje não esqueço, meu amor por você ainda se mantém muito forte...Aqueles encontros às escondidas, nossas famílias não podiam saber...E nós iríamos fugir e você hesitou...
- Tentei lutar por nosso amor, mas admito que fui derrotado, mas foi por motivo de doença, e fiquei mais doente ainda quando recebi o convite de seu casamento...
- Você não apareceu mais e eu não agüentei de tanta tristeza...Me entreguei ao primeiro homem que me cortejou...Mas logo em seguida você casou também...
- Achei que seu amor por mim tinha se acabado, seu casamento foi um duro revés para mim, tanto que casei com quem meus pais tanto queriam...Era uma boa mulher, meu deu dois bons filhos, mas Deus a tem em bom lugar...
- Meu marido também foi bom, me deu uma filha linda e também se foi... E agora só falta nós dois...
- Ainda não meu bem, temos o resto de nossas vidas para viver juntos...
- Você não acha que nosso tempo de adolescente já passou? Isso é para os nossos netos, estou velha demais pra me aventurar em um romance de novo...
- Eu não te acho velha. Acho que a serenidade que estampa seu rosto lhe trouxe uma beleza única!
- Ah pare com isso, você e seus galanteios...
- Mas é sério, você está linda, se antes nosso romance era vigoroso e intenso, agora temos a serenidade, a calma, seremos companheiros, amantes, amigos, podemos ser tudo que nós quisermos, ainda podemos meu amor, não desista de viver...
- Eu não sei, eu não sei, o que os outros irão pensar, dois velhos ficando de assanhamento...Temos que aceitar a nossa viuvez, é uma falta de respeito com os nossos falecidos...
- Não quero aceitar essa morbidez!eles já faleceram,mas de onde eles estão eles desejam a nossa felicidade! Não quero esperar minha morte chegar sozinho, se eu ainda amo você! Nada pode nos impedir de viver o que nos resta juntos e você tem medo de quê?
- Eu não sei mais, nosso amor sempre teve tantos entraves, tanta coisa negativa conosco... Primeiro meu pai se opôs a você porque você era pobre...
- Sou comerciante agora, tenho três lanchonetes.
- Depois de vários encontros às escondidas você deixou de me procurar...
- Tive doente demais naquela época, cheguei a ir para o hospital.
- Acabei me casando achando que você tinha me abandonado. E você se casou logo em seguida, e nos afastamos.
- Nossos companheiros morreram, nossos pais morreram, não há nada e nem ninguém que possa impor sobre essa decisão. Essa força negativa que vc diz,já se dissipou! Você me ama, diga olhando em meus olhos, se me ama!
- E se de repente um de nós morre?
- Sem rodeios, diz se me ama,por favor...
- Bem...Eu... Eu...Ai meu Deus é tão dificil se declarar de novo, mas saiba que Eu te amo com a mesma força de quando eu era uma menina, e te amo mais ainda com seus cabelos brancos e sua barriguinha saliente, não consegui pensar em outro homem que não você nesse tempo todo...Eu te amo pra sempre.
- Era isso que queria ouvir! Eu te amo também minha velha, posso te chamar assim?
- Claro meu velho...Agora vou ter alguém para dividir meus remédios de hipertensão...
- Nunca é tarde pra se recomeçar, nunca é tarde pra dizer sim a um grande amor...
- Então já que você me deve um grande amor, é bom começar a me dar esse amor agora, não sei até quando estaremos vivos.
- É pra já minha velha, farei tudo pra você que continue sendo a mesma sarcástica de sempre.
- E você o mesmo piegas de sempre, grudento como sempre...
- E é por isso que eu amo você...
- Eu tembém te amo...

O casal de velhinhos disse isso em um tom uníssono, entrelaçaram as mãos e foram a passos lentos, com a expressão serena, em direção a plenitude do amor.

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