Dançando Entre Lírios mortos,Livro de poesias de Marcos Antônio Filho(Fábrica de livros,15 Reais)
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domingo, 31 de dezembro de 2006

A balada do difícil amor

A vida era dura,
Toda noite tinha labuta.
Sarah dignificava o seu trabalho
Nas esquinas como prostituta.
Dividindo a calçada
Com outras prostitutas e travestis,
Fazia programas com homens
Que sempre passavam por ali.
Homens com os seus viris desejos,
Descarregando os seus prazeres
Carnais em Sarah,
Que tinha obrigação de os satisfazerem.
O tesão dela era fingido,
O orgasmo era simulado,
Tudo pelo dinheiro no final do ato,
Por mais um trabalho realizado.

E Sarah passava por muita coisa,
Homens pagando para apanhar,
Homens com ejaculação precoce,
Pagando para vê-la se masturbar,
Pagando para serem defecados,
Homens pagando para serem mulher.
Homens depravados, que pagavam Sarah
Para ela fazer o que quiser.
Mas ela também sofria muito
Quando os homens lhe pagavam para lhe cuspir, lhe chutar,
Morder-lhe os seios, puxar-lhe os cabelos,
Insultos grosseiros que Sarah tinha que agüentar.
Os xingamentos das puritanas eram comuns:
-Piranha vadia! Queimará no inferno!-elas diziam.
Mas Sarah sabia que quando elas não agradavam na cama,
Os maridos delas certamente a procurariam.
E assim, Sarah seguia a vida
Monotonamente e sem futuro,
Nos caronas dos carros,
Nos becos atrás dos muros.
E um sentimento a angustiava tanto
Que ela nem ousava dizer.
Mesmo tendo deitado com vários homens,
Sarah nunca sentiu o verdadeiro prazer.

Até que um dia Sarah foi paga
Para tirar a virgindade
De um jovem rapaz que acabou
De completar a maioridade.
Os amigos dele prepararam tudo,
Nada podia dar errado.
Sarah foi ao lugar indicado
E encontrou um rapaz muito assustado.
Era uma situação nova para Sarah.
Normalmente, já lhe teriam arrancado o seu sutiã.
Mas ela tratou de acalmá-lo conversando
Com ele até as primeiras horas da manhã.
O papo foi muito divertido,
Sarah nunca trocou tantas palavras com um cliente.
Ela gostou tanto que daria tudo
Para viver isso novamente.
Sarah resolveu fazer hora extra grátis
E eufórica, se entregou àquele rapaz tão gentil.
Mal sabia Sarah que ao se despir
Sentiria algo que nunca sentiu.
O rapaz se esforçava
Para dar prazer a ela,
Que ia às alturas,
Numa mistura de sensações que dominavam o corpo dela.
Ele a amou e respeitou
Enquanto teve fôlego e vontade
E os dois terminaram exaustos
De tamanha felicidade.

E Sarah finalmente tinha sido feita mulher...

Mesmo cansado,
Ele continuou a lhe dar carinho.
Sarah encantada, perguntou quem ele era,
E ele respondeu: -Todos me chamam de Nelsinho.

A diferença de idade não importava,
Sarah finalmente soube o que é respeito,
O que é carinho, o que é prazer,
Sem dúvida, Nelsinho era perfeito.
E quando ele dobrava a esquina
Sarah dava prioridade.
Juntos os dois namoravam
Como qualquer casal da cidade.

Nelsinho queria tirar Sarah dali:
-Você não merece essa vida,
Tirarei-te daqui e serás
Por mim a mais querida.
Nelsinho era de família conservadora,
E o seu namoro com uma meretriz chegou aos ouvidos do pai,
Que tratou de convencê-lo:
-Namorando uma puta? Com ela você não sai!
-Ninguém me impedirá de vê-la,
Nós nos amamos!
-Ela ama o seu dinheiro!
Não foi isso que eu e sua mãe planejamos...
A proibição de seu pai
Não foi suficiente.
Nelsinho continuava
Encontrando Sarah regularmente.
E em um desses encontros
O sêmen de Nelsinho germinou
E um clima de apreensão surgiu
Quando ele soube que Sarah engravidou.

Nelsinho sabia que sua família não aceitaria
A gravidez dela e teve a idéia de fugir
Para um lugar aonde eles se amassem
Sem que ninguém pudesse interferir.
Ele arrumou as malas
E pegou o carro do pai escondido
Buscou Sarah na pensão onde morava
E os dois sumiram da cidade fugidos.
Um temporal assolava as estradas
E Nelsinho não era experiente ao volante.
Madrugada, curvas sinuosas, visão prejudicada, cansaço batendo,
Nelsinho se descuida por um instante:
O carro dá de frente com uma carreta
E a colisão foi inevitável.
O carro se destruiu
E ficou em um estado lamentável.
Ao cortar as ferragens
Os bombeiros encontraram Sarah e Nelsinho
Mortos, de mãos dadas,No último gesto de carinho.

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