Dançando Entre Lírios mortos,Livro de poesias de Marcos Antônio Filho(Fábrica de livros,15 Reais)
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quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Doce ironia


N. do.A: Esse é um conto que eu ia concorrer em um concurso literário,mas desisti. Não achei muito bom, quem puder opinar sobre ele eu agradeço, críticas positivas ou negativas, sendo construtivas, são sempre bem- vindas.

A gente às vezes se preocupa tanto com os nossos filhos, parentes, amigos que acabamo-nos esquecendo de cuidar da gente. Tentava explicar isso ao meu médico, mas ele retrucava, sabe como são médicos, muito rigorosos com a nossa saúde. Ele dizia que eu se não estivesse com saúde, não cuidasse de mim, como cuidaria dos outros? O doutor tinha razão e agora eu é que atrairia a atenção de todos que me rodeavam, meu exames diziam que taxa de glicose estava nas alturas. Estava mesmo, e o sermão do médico foi longo, explicando o que deixaria de comer, que as visitas médicas seriam periódicas, a insulina seria diária, mas apesar de não ter cura, o diabetes era uma doença controlável. As recomendações foram mais que assimiladas, e o doutor se prolongou bastante e ele admitiu, que fez isso principalmente por minha profissão. Uma doceira diabética é um risco iminente de que a dieta elaborada seja abandonada e vá pro espaço, assim como a minha glicose.

Na minha profissão ter experiência era fundamental, e minha clientela era fiel, o meu maior orgulho. Mas teria que me readaptar, sem provadinhas, sem vários bolos no mesmo dia, sem almoçar. E pensar que tenho que comer de três em três horas! Tenho dois filhos feitos, que me ajudariam no meu trabalho, eles já trabalharam muito comigo quando eram novos e agora casados, vão repetir a dose, afinal deixar de trabalhar não faço, isso pra mim é a pior doença.

Vivíamos uma marcação dupla. Meus filhos vigiavam se eu comia algum doce ou descumpria alguma coisa estabelecida na minha dieta, e eu vistoriava se eles viam se a massa estava boa de açúcar, se a calda de chocolate está no ponto, se o glacê não desandou. Era uma situação difícil, eles não tinham prática e eles falavam que estavam e às vezes não estavam, tive algumas reclamações que o bolo não estava tão bom como da outra vez. Era sempre um detalhe que escapa a eles, na hora de analisar a massa quando experimentavam, que não saia perfeito quando eu fazia e experimentava. Eu tinha que entender que não era mais a mesma, que agora o açúcar estava fora de cogitação, os carboidratos muito restritos, então sem doces, sem aquele pão quentinho com manteiga. Tudo light, diet, zero... Era complicado resistir às tentações, mas era mais complicado ainda admitir que meus bolos não saem mais a perfeição de antes e que eu não podia adotar o ritmo incessante de antes que me satisfazia tanto. Sentir-se frustrada era horrível, eu queria fazer dos meus doces proibidos sossegadamente...

Mantive a minha dieta regularmente, ma alimentava certo, medi minha glicose, aplicava-me insulina, e perdia em média um bolo por dia, final de semana eu perdia a conta de quantos eu deixava por fazer. Pensei em contratar alguém pra me ajudar, mas aí aumentaria muito os custos do meu bolo. A minha frustração aumentava, os bolos me deram tudo, minha casa, a educação dos meus filhos, meu conforto atual e estava me dando uma velhice tranqüila até eu descobrir minha doença. Perder clientes me doía, ter que saber que eles estão comprando seus bolos em padarias, eu sentia uma pontada de tristeza no peito. E eu me sentia bem, com exceção a algumas dores nas pernas, ficava muito tempo em pé, mas nada do que ficar sentada por um tempo. Meus filhos ao verem que eu estava me cuidando e fazendo meu trabalho, aos poucos foram afrouxando minha rédea. Eu decidi me manter alerta sobre a minha rotina pra que eles pudessem viver suas vidas, e eu a minha. Queria voltar a manter todos os meus clientes felizes e satisfeitos.

Acordei e vi o mesmo olhar de reprovação do doutor. Levanto o braço esquerdo e ele está no soro, estou tomando insulina na veia. Mais um leito de hospital. É eu aumentei o ritmo dos bolos, dos docinhos e descuidei da minha dieta, da minha reeducação alimentar, provei tantas massas que voltei aqui, quando o médico disse que eu estava praticamente em coma diabético, eu me assustei. O médico me deu um sermão mais enérgico, sendo que eu não podia ter me excedido no meu trabalho, pois isso quase me matou. Senti-me uma menina de sessenta anos levando bronca do pai. Reclamei de dores na perna esquerda e o médico disse que pra eu torcesse pra minha glicose baixar senão eu correria riscos. Mesmo tendo alta, teria que fazer exames e exames pra evitar ter que ter o risco de perder meu pé. Na primeira vez senti medo. Não tinha levado minha doença a sério da primeira vez, por achar que não matasse, não tratei a diabetes do jeito que ele deveria ser tratada. Tive o ingênuo pensamento que ela seria como uma gripe, que sumiria depois, mas não é, tenho um inimigo silencioso dentro de mim e está vencendo batalhas que era que deveria vencer.

Com a presença dos meus filhos, que me passaram um sabão muito maior ao que eu dava a eles quando eles eram crianças levadas, me motivei a me cuidar ainda mais, não queria morrer tão jovem quanto o pai deles, que nem viram muito da vida dos dois. Quero ver os meus bisnetos ainda! Então decidi continuar o meu trabalho, mas sem descuidar por um segundo da minha saúde, afinal o trabalho dignifica uma pessoa, mas se ele não tiver saúde não há nada a se dignificar. Dias depois sai do hospital dando graças por ter deixado pra trás aquela comida insossa E o melhor que eu decidi trabalhar como doceira, mas só trabalho com bolos diet. Sem nenhuma adição de açúcar. Assim eu posso provar a massa sem medo! Foi muito bom ter descoberto adoçantes pra forno e fogão ótimos! Nem parece adoçante! Da próxima vez, eu escrevo uma receita, podem cobrar. Ou melhor, quem sabe não escrevo um livro de receitas diet?

Um comentário:

Cris Dakinis disse...

Olá Amigo Marcos, gostei da sua crônica!
Há pouco tempo a SBD lançou um concurso literário com o tema "Diabetes" para a comemoração de seus 40 anos.
Ops! Finalmente consegui chegar a seu Blog. Já sou seguidora, e como não possuo Facebook, não fui além.
Continue escrevendo e brindando-nos com seus textos!
Sucesso sempre!!!
Bjj,
Cris:)