Dançando Entre Lírios mortos,Livro de poesias de Marcos Antônio Filho(Fábrica de livros,15 Reais)
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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conto: O fim é esta noite.


A situação estava crítica. Eu já estava vendo filme romântico e entendendo o porquê deles existirem. Você não sabe por que eles existem? Pra bobocas imaginarem e acreditarem que no fundo, no fundo, podem viver histórias de amor lindas, doces e açucaradas. É, eu via aquele final meloso e perfeito e algumas lágrimas nos meus olhos desciam. Não por sonhar em ter um amor assim, mas sim porque eles não existem, apenas se alimenta a tola esperança de alguém vai aparecer na vida e voilá! Roteiro de hollywood. Não existe amor no coração das pessoas. Existe rancor, preconceito, intolerâncias. Mesmo sofrendo de solidão, é mais vantagem estar sozinho do que viver com alguém. As pessoas apenas acham que o amor é um jogo, onde tudo que você disser será usado contra você na hora certa. Mas eu já to cansado de viver só, sem arrumar minha cama, bebendo sem parar e vendo pornografia na internet. Até que se é feliz, mas por muito pouco tempo. Dessa noite minha vida não passa.

Já não trabalho. Não tenho muitos amigos, os poucos que ainda tenho sabem-se lá onde estão, estão fazendo coisas mais divertidas do que ajudar um merda. É o que eles pensam. Que sou um merda, merda são eles, eu apenas não aceitei as regras desse jogo sujo que é viver em sociedade. Ou você sacaneia ou é sacaneado. Não sei sacanear ninguém, por mais que eu tenha tentado, nas vezes que eu consegui foi por acidente. E já não agüento mais ser sacaneado, em todos os âmbitos da minha vida, tem sempre alguém pra te passar pra trás na maior cara de pau. Já chega. O bom é que ninguém deve dar por falta, ninguém mesmo, fui me afastando de todos, tendo ódio das relações humanas, que são tão doentias e que todos fazem questão de aparentar normais. Já estou enjoado de tanta aparência, cansado de ver que as pessoas só falam o que acham realmente de você quando te vêem pelas costas e pela frente proferem um mar de rosas. Sei que não ser mais benquisto por ninguém por ser sincero ao extremo, sendo que é assim que as coisas deveriam ser. A misantropia é o que cultuo apenas. Chega de mentirinha boba, chega.

Ligo o computador, sinto-me na necessidade de fazer uma despedida. Sem cartas suicidas dizendo que odeio o mundo e as pessoas, blábláblá. Nem dizendo o que eu estou deixando pros amigos. Pode jogar tudo no lixo ou dar pros pobres. Eu queria apenas ver aquelas fotos felizes e adulteradas por computador, pra parecem mais jovens, mais belas e sem imperfeições. Busquei e achei o de cada mulher que amei nessa vida, toda que me por algum momento me deu uma perspectiva, um motivo pra lutar e crescer, mas que na primeira oportunidade me deu um pé na bunda e me deixou a ver navios, ou que fez da minha vida um inferno por causa de ciúmes ou por outra coisa parecida. Olho as fotos de cada uma e murmuro pra mim mesmo: “tchau, vagabunda!”. “Adeus, sua vaca” “Ari vederte cadela!” Pronto, agora é ir aos meus emails e apagar todos eles, não quero que fiquem fuçando minha vida e nem os sites pornôs que visitei. Onde já se viu? Um morto tem que ter privacidade.

Saí. Não ia fazer isso em casa. Não tenho sonífero nem veneno pra rato, nem guardo uma espingarda ou um 38 em cima do armário. Morte por envenenamento é coisa de mulherzinha e tiro nos cornos suja muito e faz um barulho desgraçado.  Resolvo sair andando por aí, hei de encontrar uma bela ponte ou viaduto, onde eu possa pular e me estabacar com o mínimo de dignidade. De cabeça de preferência, pra que seja uma pancada só e pronto, os meus miolos grudados no asfalto.  Passo em frente aqueles bares que fervilham de gente. É engraçado ver as pessoas rindo, enchendo a cara, se divertindo, enfim tudo é uma ilusão, sabe-se lá que a pessoa que você está dividindo a mesa, é sua inimiga íntima, que com toda a falsidade do mundo senta com você. Aquela que só espera você entregar o ouro, pra usar contra você. Nunca achei com quem conversar que depois não tenha usado o que eu disse contra mim. Esse é o sistema, essa é a vida, se você não compactua com ela, está na vida errada. É o que eu pretendo corrigir.

Achei o viaduto ideal. Um pouco desgastado. Uns 10 metros de altura, o tombo vai ser bonito e ainda se por acaso eu comprovar que sou um vaso ruim de quebrar, caio em cima de uma via expressa e vem um carro e catapimba! Já estou me dirigindo até ela, vou sentar no parapeito e pensar naquelas coisas de filme, estilo flashback. Poxa , nem deixei uma carta de despedida. Também quem iria ler? O síndico do prédio que arrombaria a porta?Não ele só arrombaria pra ver se eu tinha deixado o dinheiro do aluguel. Até achei que teria um suicídio calmo e tranqüilo quando ouço uma voz feminina um pouco abafada pelo o barulho dos carros passando:
    - Parece que isso aqui é point de suicida! Urrú!
Virei e a observei. Cabelo castanho cacheado, olhos claros nariz fino e comprido, magra, mas com algumas curvas discretas, enfim uma mulher bonita, o que a trás justamente a este viaduto? E pelo visto, pra se matar também? Ah isso não importava, o que me incomodava era que ela veio puxar assunto e eu não estava muito a fim de conversar. Seu hálito tinha um acentuado sabor de álcool. Deve ter sido pra tomar coragem.  Voltei novamente pro horizonte e de vez em quando olhava pra baixo enquanto ela se sentava no parapeito praticamente ao meu lado. Olhou pra mim por algum tempo, com um olhar curioso de menina arteira. Resolveu puxar assunto de novo:
    - A vida é uma bosta não é?
    - É. – fui sucinto
    - E qual o seu motivo de estar aqui?
    - Você acabou de falar.
    - Mas foi o que exatamente? Dor de cotovelo? Dívidas? Cometeu um crime imperdoável?
    - Não.
    - Sabe por que eu estou aqui? Eu to cansada de viver, tudo desanima tanto, você tenta ser algo na vida, mas tem alguém te puxando o tapete. As pessoas são falsas, não encontrei um homem que pudesse ser sincero o suficiente comigo. Só fui enganada.
    - Sinto muito.
    - Sente nada, pois suicidas são egoístas, ainda mais sendo homens! Seja sincero, porra!
    - Ok. Não to nem aí pra você, nem sei por que ainda você está aqui, está me atrapalhando e me enchendo o saco. Talvez me jogue agora porque assim morro e não preciso ter que continuar te aturando. Satisfeita?
    - Você me magoou, mas foi sincero. Queria poder ter te conhecido antes. Seríamos um pouco menos tristes, acho.
    Fitei-a nos olhos. Uma lágrima escorria do rosto dela, mas sua expressão irônica continuava  a mesma.  Sua lágrima vinha carregada de dor, mas seu rosto continuava impassível de expressar qualquer sentimento. Resolvi então confessar:
     - Temos os mesmos motivos.
    - Você pensou em lutar, em seguir sua vida, tentar arrumar outro sentido?
    - Claro que sim. Mas vi que não adianta nada. É um sistema, ou você dança conforme a música ou pede pra sair do baile. Eu estou tentando arrombar a porta, já que ela não se abre pra mim.
    - Você é bem metafórico hein? – Ela gargalhava. E há poucos instantes atrás chorava discretamente. Bipolar? Talvez.  – Eu deveria ter te conhecido antes mesmo, e devemos até morar perto, afinal escolhemos um lugar em comum pro suicídio. E agora se cairmos juntos? Você é casado? Não quero que falem fui sua amante quando acharem nossos corpos estatelados no chão.  Morrer e ficar com fama de vagabunda seria horrível!
    - Você quer morrer e ainda quer se importar com o que vão dizer do defunto? – Agora foi a minha vez de rir – Imagem é tudo, né? Mas pense pelo lado positivo, se cairmos juntos, dirão que foi uma morte poética, estilo Romeu e Julieta. Vivíamos um amor impossível que só poderia ser consumado na morte.
    -Você é casado, não respondeu por que é. Eu vou indo prefiro me matar ouro dia, pois graças a um idiota tenho que viver mais uma droga de dia!
    Ela se levantava do parapeito enquanto virei rapidamente meu corpo e a peguei pelo braço. Um beijo foi inevitável ali. E a expressão clichê “se beijaram como se não houvesse amanhã” caiu como uma luva, eu não me darei ao trabalho de inventar outra melhor.
    - Sou divorciado.
    E um passo em falso em cima do parapeito tirou toda a poesia do meu suicídio. E a vida não passa como um filme durante a queda. Isso só acontece no cinema mesmo. Droga.

   

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